SONHOS INVENTADOS

A PRIMEIRA VEZ QUE ESCREVI POESIAS NÃO ENTENDI BEM O QUE ESTAVA FAZENDO, ACREDITAVA ESTAR ESCREVENDO PROSAS, ENFIM CREIO QUE O PROCESSO POÉTICO SE DÁ NA ALMA DO "ARTISTA". SAEM PARA O MUNDO DE FORMAS.


PORTANTO AQUI APRESENTO ALGUNS DOS MEUS TRABALHOS.



da CAIXA Sonhos Inventados
  
SONHO 1

Eu estava voando ao lado de meu irmão
Num desses trajes próprios para voar, estávamos muito alto
De lá víamos as nuvens abaixo de nós
E o horizonte arredondado da terra
E fazia um sol branco

Eu não conhecia o equipamento e meu irmão de braço dado comigo Dava-me instruções gritando, foi quando ultrapassamos as nuvens
E eu assustado percebi que estava sobre um oceano sem fim
Vi um ponto preto que meu irmão disse ser uma ilha que eu conhecia
A ilha foi crescendo a meus olhos
Era comprida com uma das pontas maiores como um espermatozoide
Pousamos como uma pipa na ponta fina da ilha, era só areia
Tiramos as roupas de voo e ficamos nus
Ali tinham umas poucas palhas de coqueiro pretas, velhas e molhadas
Ele disse que iríamos precisar delas pegou duas e fomos
Como eu conhecia segui na frente pelo istmo
Com ele atrás arrastando as palhas
Enquanto a maré subia e as ondas começaram a cobrir o caminho
Assim que passávamos
Na ilhota maior a nossa frente subia uma montanha que escalamos com facilidade além de pouco alta era de barro com mato baixo
Quase no topo tinha uma caverna redonda, como fosse escavada pelo homem que dava para passar para o outro lado,
Meu irmão largou as palhas no seu interior
Fomos admirar a paisagem do outro lado
Era muito alto mas de lá víamos uma vila de casas de madeira
Só no esqueleto, sem paredes
A decida era muito íngreme e eu conhecia os segredos da decida
Fui por um caminho que se descortinava à medida que dava cada passo
Quando chegamos lá em baixo estávamos de calção e camisas de botão, Passamos por uma rua de terra onde havia poucas casa
Mas elas não tinham paredes
Víamos seus moradores tomando banho nas banheiras,
Cozinhando e vendo TV.


SONHO 2

Estávamos eu e o Job em um planeta que eu nunca havia estado antes
(Na verdade eu nunca estive em outro, não que eu lembre)
Era uma grande planície de barro que o vento havia esculpido
Estava de sobretudo, fazia frio e o sol apontava no horizonte
Tudo era vermelho
Estávamos à beira do leito de um rio a muito instinto
Seu leito desenhado pela água e vento, estava a uns 20 metros de profundidade
E sua margem era muito íngreme e havia a nossa frente uma agulha formada pela erosão
Job, para aparecer, resolveu pular para ela e ficou em um pé só, não havia espaço para o outro
Aborrecido pedi para que retornasse, tenho muito medo de altura, e vê-lo naquela condição me assustava.
De volta Job me mostrou o caminho invisível para descer o penhasco
Rapidamente estávamos no leito seco do rio
O fundo do rio seco havia sido esculpido suavemente pelas últimas águas ou quem sabe o vento
E assim adormeceram até agora que iríamos passar
Dali dava pra ver a direita um afluente, foi por ele que Job me guiou
Um pouco a frente um frontal de um prédio esculpido no barro
Parecia uma igreja mas quando nos aproximamos era uma espécie de olaria
Quatro prateleiras de madeira tosca se alinhavam perpendiculares à porta
Indo até o fundo da sala a uns seis metros de distância
Com um teto de uns três metros subiam até lá
As prateleiras largas estavam apinhadas de olas
Eram pratos copos tigelas grandes e pequenas umas por dentro das outras
Quartinhas potes vasos em grande quantidade
No fundo uma parede quebrada dava vista para um terreiro grande que terminava em um penhasco a uns duzentos metros
Segui pelo corredor até o fim das prateleiras perto da parede quebrada
Olhei para a direita e tinha ali uma parede quebrada no formato de porta
Para além dela uma sala com um piso mais alto no meio da canela
Segui até poder colocar a cabeça pela fresta
Nesse instante Job chegou pelo outro corredor
Era uma sala comprida mas estreita, dois por seis
No fundo uma bancada de madeira rústica
Algumas olas sobre a mesa e a frente um senhor
Vestia uma bata de linhão até o chão, marrom claro com uma barra de dois palmos, vertical, central, marrom café
Virou e vi que era um ser daquele planeta
Era idoso, e não tinha nariz como o nosso eram duas pequenas fendas verticais
Seu olhar era doce e me senti muito seguro em sua presença
Transmitia a paz dos justos e sábios
Ele largou seus afazeres e andando lentamente veio em minha direção.


SONHO 3


Estava em uma sala grande usada para ensaios de dança
Sentado no chão num canto próximo a janela
Era daqueles dias claros um sol lindo e branco
Sol de inverno entrava pela janela
E transparecia pelas alvas cortinas
Piso de madeira lustrado
Estava em paz,
Um professor muito novo me explicava sobre arte
Dizia que a arte curava as mazelas do espírito
Organiza as coisas dentro da cabeça
Que eu cuidasse de como iria usar esses dons numa sociedade adoecida


PALHAÇO TRISTE


Procurei com os olhos para encontrar
Enquanto a multidão se acotovelava
Não conseguia localiza-lo
Mesmo assim insistia
Era um mar de gentes,
Para ver o espetáculo do palhaço triste
Seria a última apresentação
Dizia-se a época que devia ser uma jogada de marketing
Mas eu acreditava, e parece-me não estava só
Depois das explosões dos fogos de artifício
Ele apareceu... Entrada triunfal


O QUE MEU PAI VAI DIZER


Em tempos imemoriais casavam apenas pares de iguais
Então eu disse ao meu marido que estava doente
Haviam aparecido erupções em meu pais
E três dos meus cílios haviam caído,
Antes eram cinquenta e nove
Com os olhos arregalados
Agarrou-me pelos ombros
Um rio desceu sua face
Falei confuso “você é heterossexual...”
Tive certeza o silêncio
Ao acreditei... Logo o meu marido
Podia ser o do vizinho, mas não tinha de ser logo o meu
O quadro sintomático correspondia ao padrão
Mas ainda assim era necessário fazer os testes
Ele não queria... Mas o obriguei
Não podia ter dúvidas
O que eu iria dizer ao meu pai


DÓI


As coisas não são mais comuns como antes
Nada mais como antes
Deixei de fazer tudo o que lembra
Ou seja, quase tudo
Até sorrir, que já me era um pouco raro
Sinto uma saudade tão grande
Que doem as pernas
Dói o corpo
Dói tudo


MEU MENINO


Era o deserto da alma
O céu perdia azul
Os tênues tons do poente, não me interessavam mais
Só um tiro
Meio segundo
Talvez um quarto
Talvez menos
Três dias depois da morte
O ar... Óleo grosso sufocava
Ar...
O meu menino
Impossível viver sem ele
Rios na face... Na cara suja... Na barba por fazer
O estomago roncava insone... Pão com manteiga
Arroz, feijão...
Música, Van Gogh... Cheiro de lingüiça
Cerveja... Moto, sotaque nordestino
Cheiro de criança... Obra, adrenalina
Briga... Revolver... Água mineral

Todos os segundos são teus meu menino... Pra sempre
Nasceste de todos os ventres da Terra
Te contei como era amar no meio dos labirintos
Nu o coração exposto não pude te proteger
Exposto aos azares lutou sozinho
Assim o queria, eu não
Mas não precisavas de mim
Era inteiro só
Gea aconchegadamente
Em teu colo menino
Não o deixe mais se atormentar mãe
Ama-o como a um filho especial
Que só soube amar como tu
Devorando os seus amados


ALGUÉM


Quando a cabeça dele explodiu
O barulho não assustou ninguém
A mulher que estava sentada ao seu lado no ônibus
Reclamou dos respingos de sangue em seu vestido
Isso já estava se tornando mais que comum na cidade
Todos os dias eram registrados centenas de casos na delegacia especial

Era calmo e bom como a maioria
Casado e com dois lindos filhos
Trabalhava muito para poder refazer as suas estruturas mentais
Trepava três vezes por semana
Sempre as terças, quintas e sábados, sendo que a de sábado era um motel pulgueiro perto da sua casa
Às vezes com a esposa, às vezes com putas da Praça Tiradentes
Uma vez por mês deixava as crianças com a sogra
Pra passear com a patroa
Todo o dia lavava atrás da orelha
Escovava os dentes como o dentista ensinou
Cortava as unhas regularmente
E o momento da explosão estava com o cabelo impecavelmente peteado
Coisa que não abria mão

No ônibus alguém remexeu seu bolso para identificá-lo
Soube-se então tudo sobre ele
O governo já dava sinais de preocupação com o assunto


A pequena bola azul
Estava lá abandonada
No fundo do quintal
Esperançosa de ser encontrada
Por alguém moleque

Ela sabia que dali a pouco
Seu dono chegaria da escola
E aí como em toda a sexta feira
Reinaria absoluta na pelada
Mas isso ao invés de acalma-la
Tonava-a mais excitada
Já não distinguia os sons dos passos do seu dono
Confundia sua voz
Com a de qualquer moleque da rua


O MENINO SOL


Era como se pudesse tocá-lo
Mas sempre me disseram
“Não vá aí menino! Você vai se machucar!”
E eu olhava ele descendo no horizonte
Era todo meu... Só meu

Um dia
Resolvi que ia pegar ele pra mim
Juntei a sacola da feira
E ganhei a rua
Pedi a escada do seu Antenor
Era a mais grande da rua
E segui para o horizonte
De hoje ele não ia escapar


O JARDINEIRO


À noite a tempestade castigara as plantas
O jardineiro acordado
Assustava-se a cada rugir
Sabia que suas meninas sofriam

Pela manhã o Sol sorriu e coloriu tudo

Agora reparar os estragos
Cara de moça em fim de festa
Os jardins centrais sofreram pouco
Perderam folhas, o vento levou flores
Outras foram despetaladas
Quanto aos jardins da parede frontal
Nada sofreram
Ele protegeu dos ventos fortes da noite
A não ser pela terra encharcada
Nada que causasse preocupação
De um modo geral
Os estragos foram menores que os esperados
Mesmo assim
Ainda deveria ser feita uma avaliação minuciosa
Nos jardins havia flores frágeis
Poderiam sofrer sequelas

Suas aflições giravam em torno da roseira
No canto da cerca
Era nova e sofria traumas constantes
Com o buliçoso dos passantes

Estava apreensivo

O vento canalizado pelo canto da casa
Não fora um bom local o escolhido
Estava minguada a bichinha
Quase completamente desfolhada
As que resistiram estavam magoadas
As poucas rosas, quase completamente despetaladas
Um dos quadros do caos
Os galhos tristes pendiam para o chão
De seus galhos lágrimas de céu
Procura aflita pelo pequeno botão que havia ali
Baixou
Tocou o galho quebrado apoiado a cerca
O final o botão de esperança
Afinal era o caos
Deus sabe como resistiu
Acariciou com as pontas dos dedos
“Não tenha medo minha bichinha...”

Dias de atenção
Água medida
A terra não podia ser mais encharcada
Colocou uma tala no galho
Amarrou com fitas de linho
Inseticidas, pesticidas e adubo
Como a natureza pode ser tão rude?
Uma a uma, todas as folhas caíram
O botão resiste verde

O jardineiro cantava e contava boas histórias
Não a deixava sem assistência
Às vezes contava piadas
Longe... Ficava triste
De pensar no sofrimento
Temia que não tivesse retorno
Parecia o fim... Suicídio
Depois de um tempo, os brotos
O jardineiro regozijou
Cantou e dançou
Num ritual comovente e esdrúxulo
Cantar e dançar em frente a uma roseira

A natureza humana

O botão
Teimava
A tempestade se distanciava três meses
Vestira o verde a roseira
O botão intrigava o jardineiro
Outros começaram a surgir
Mas com o tempo, todos ao passaram de botões
Foram e serão eternamente
Botões


O CAÇADOR DE PÉROLAS
Por Ângelo e Mário


A vida para ele era o mar
Do penhasco via o oceano
Uma brisa brinca de fazer em seus cabelos
Uma janela é aberta para qualquer lugar
Pra paisagem, pra passagem, pra paixão
E o mar, ali perto, ruge como um leão líquido
Silêncio louco e infinito

O Sol ardia em seu corpo

Como num culto a Posseidon
Entrega seu corpo ao vento
Num ritual nas fronteiras entre a vida e a morte
Vertigem... Graça... Albatroz
A água envolve seu corpo
A vida também
Poderia navegar em barcos como todo mundo
Mas preferia desvendar os mistérios do mar sem segurança
Com todos os riscos, sem dar pé, sem a rede do trapezista

Ostras sua maior paixão
Dentro delas as pérolas...
Igual como a vida
Fechadas, misteriosas, escondidas um fundo de mar
Insondável... Misterioso
Oceano de vidas

Tudo deverá ser calculado com precisão
Respiração, velocidade e descompressão
Descendo braço a braço
Descortinando, penetrando... Aprofundando
Azuis... Piscina, del rei, marinho
Com todos os sentidos
Pérolas


PASSAGEM


Abriu as assas e... Azul
Alçou voo
Foi embora
Foi indo
Foi
Tchau...

Saudade


LUZ PRÓPRIA


Luz própria
Eu não era nada
Mas ele
Tinha luz própria
Quando andava
Emitia uma luz azul
Era como mamãe me contara
Um dia ele viria
E me tiraria dessa solidão

Mas ele me deu um murro
E um fio de sangue
Escorreu pelo canto da boca
Não chorei
Por que eu havia passado
Toda a vida
Esperando

Levantei-me
Limpei o sangue do canto da boca
Ajeitei o cabelo e sorri feliz
Ele havia chegado


PORQUE OS PÁSSAROS VOAM E EU NÃO POSSO?


Da favela vendo a cidade lá em baixo
O menino pensou
Por quê?
Foi na mãe que estava na beira do tanque e puxou sua saia
Falou “por quê?”
Atônita a mulher lhe deu um beijo e o mandou brincar
Procurou o pai que estava trabalhando na obra
E de novo perguntou “por quê?”
O pai deu-lhe um cascudo e sorriu

Foi assim que Dinho foi parar lá na pedreira
Tinha nos braços aramado com linha dois
As maiores pipas do morro
Eram gigantes
A rabiola amarrou nos fundilhos do caução
Dali mesmo se jogou

Ontem foi o enterro
E o pai dizia que a última palavra foi por que


PAPAGAIOS


Pela janela do quarto
Dava pra ver a pipa
Que bailava o céu

Vestida de vermelho e azul
Rebolando como na dança do ventre
Me seduzindo com seu bailado
Regular e inconsciente

Vez por outra
Arriscava passeios no azul infinito
Me convidando a viajar pelos céus
Nunca dantes avoados

Enquanto observo
Outra vem ao seu encontro
E os velhos flertes se repetem

Voam em bandos as pipas
Na tensão dos fios
Executam outra dança
A do acasalamento

Espécies não raras
Tem seu habitat natural o subúrbio carioca
São cativas de meninos descalços
E nanicos de subalimentação

Muito longe da extinção
Reproduzem-se de forma vertiginosa
Aparecem as centenas, quiçá milhares
Nos céus cariocas

Mas não se assuste
São tratadas como rainhas nas mãos sujas desses moleques
Dignas de rituais de verdadeira adoração
E as noites habitam seus mais íntimos sonhos

Guerreiras
Se cotorcem e se cruzam
Até o sacrifício fatal e inevitável

Moribunda
Sua queda é observada atentamente
Por mil olhos cobiçosos e brilhantes

Mas não se entristeça
Faz parte de sua sina
Triunfal e vulgar

Cai dos céus
Para ressuscitar nos braços de outro amante
Magricelo, barrigudinho e feliz


OUTRA MARGEM


Eu amava meu deserto
O meu cotidiano
Sentado a margem do rio Lamaçal
Olhava a outra margem
Era como uma sina

Lá, tudo era tão verde, vivo
Aqui tão árido
Ainda assim amava meu pedaço
À tardinha vi outro daquele lado
Adrenalina, taquicardia, medo
Escondi-me atrás das pedras
Não dava pra distinguir as feições

Naquela noite não dormi
Coloquei meus trapos na margem
E vigiei... Vigiei... Vigiei...

A cor assustou a noite
Em pouco tempo o azul ganhou o céu
Eu lá olhando
Quando ele
Apareceu fiquei em pé
Minhas pernas onde estão?
Abanei os braços
Gritei
Não fui notado
Meu coração ansioso
Foi muito ruim
Mais outro dia e não fui visto
Não sabia mais o que fazer
Fazia dias que não comia
Eles escorriam para o rio
Para o Lamaçal
O meu deserto, como pude esquecer
Sabia nadar
Mas não conhecia o rio
Não tinha bom fôlego
Parecia muito fundo a correnteza poderia me levar

Depois disso
Algumas vezes entrei no rio
Banhei-me e saí

Como posso esquecer
Um dia... Ele me olhava enquanto me banhava
Cobria o rosto tapando o Sol
Olhei, acenei, ele respondeu
Meu coração feliz não parava no lugar
Não tinha mais lugar no peito
Eu chorei

Nem o via todos os dias
Quando não aparecia não comia
Vigiava, vigiava...
Quando aparecia cedo
O dia era Sol... Cor
Só era Sol e cor de tarde, quando aparecia


Quando aquele homem sem cabeça entrou
Em principio achei muito desconfortável
Com o tempo, me acostumei
Já havia ouvido falar deles
Mas nunca havia visto nenhum

Lembrava vagamente
De conteúdos aprendidos no ensino médio
Evolução das espécies, adaptação dos corpos
A natureza é sábia

Pedi-lhe “sente-se”, ao que prontamente atendeu
Conversamos durante algum tempo
Em princípio timidamente dadas às circunstâncias
Ao final ríamos com intimidade

Pela maneira como se comportava
E como desenvolvia seu raciocínio
Tudo era de “sins” e “nãos”
Algo complexo como... “talvez” causava sofrimento

Por isso falávamos sempre de amenidades
Ah sim me esqueci de falar, viramos amigos
Falávamos de novelas, confesso que às vezes até assistia
Futebol, peito e bunda, peito e bunda, peito e bunda...

Sempre chegava na hora ao trabalho
Trabalhou na mesma empresa durante anos
Saia de casa às quatro horas da manhã
Pega trem lotado, chega ao trabalho senta e faz a sua parte

Onte ontem fui ao enterro dele
No cemitério conheci sua esposa sem cabeça
Reclamou que falava sempre pra ele parar de comer tanto
Glicose alta, diabetes... Enfarto provocado pela obesidade

Findo os rituais
Fui ao bar beber uma cachaça pelo falecido
Notei que havia alguns sem cabeça no local
Sentei num canto e logo um deles se aproximou
Pedi-lhe “sente-se”, ao que prontamente atendeu
Ao final ríamos com intimidade

Hoje percebo
Eles são todos um só... Só querem se divertir
Tem a mesma opinião sobre tudo...
Novelas, futebol, peito e bunda, peito e bunda, peito e bunda...

É o fim


E sobre a folha
Delicada e deliciosa
Suculenta e leve
Recortava
Com prazer e paciência
Pequenos nacos
De êxtase

Dia a dia
Minha felicidade morava ali
Construía minha história
Devotadamente
Comendo

Tudo era assim
Simples
Até que
Marbella a borboleta
Apareceu
Com suas asas
E arrogância
Enormes

Disse:
"Se você continuar
Comendo assim
Quando for
Uma borboleta
Será uma
Gordoleta!
Não vai
Conseguir sair
Do chão"

Filha da puta
Idiota

Odeio as borboletas!

Tracei uma meta.
Nunca
De jeito nenhum
Serei uma

Tenho investido
Na ideia
De que não quero
E não preciso
Virar essa merda!!!!


PARA A LUA


Foi salvo em lugar inóspito
Deserto... Deserto... Sem nada
Apesar de ser
Estranhamente bonito
Era diferente
Apavorado...

Depois de algum tempo
Descobri.
Eram poucos daquela espécie
E ele perdeu a noção de proporção
Com o tempo deixou de reconhecer
Tentativas de aproximação

O que teria acontecido?!?!
Por que montara guarda?

Tinha sido salvo há poucas horas
Enquanto isso...deserto...deserto...sem nada.

Olhar assustado
Tudo que lhe parecia ameaçador
Parecia de louça... Porcelana... Argila sem forno.

Sempre soube
Que eles sabiam voar
Mas ele permanecia ali
Sem alçar voo
Era mais seguro!!!!   ????

Uma noite
Já havia se acostumado com a minha presença
Peguei sua mão com muito cuidado
Carinho de porcelana
Ele me olhou
Apontei a lua
E levemente saímos do chão
Em sua direção.


PEQUENAS LUZES


Chega uma hora
Depois de muito sofrimento
Depois de muitos desenganos
Que não nos permitimos mais arriscar
Não nos permitimos mais errar
Não nos permitimos mais...

Aquele salto do alto do penhasco fica para os outros
Eu tenho vertigem

Nós já sabemos tudo
Já passamos por tudo
Já aprendemos a lição
Conhecemos a vida
Já assistimos a esse filme
Já metemos a mão em cumbuca
Já fomos escaldados

Meu consolo é teu olhar
Aquela cara boba
Sorriso gentil
Me faz dormir tranquilo 


REMÉDIO


Eu queria ter um remédio
Que curasse dor doída de coração partido
Que conseguisse curar esse trinco
Talvez uma cola
Algum tipo de amálgama redentora
Um unguento reparador de pontas quebradas
Um simples “bandeide colatudo”
Gostaria de poder com o toque das mãos
Com aponta dos dedos de ET
Remover traição, desleixo, aridez.

Só a espera cura...




Eu espero.....


PASSARINHO DODÓI


Todas as manhãs
Abro a janela e olho a rua
De uns tempos pra cá
Deu de pousar um passarinho
Na amendoeira em frente à janela

Tinha o encanto daqueles que o passarinho tem.
Era tão lindinho.
Dava uma vontade de apertar...
Mas ele nem me notava
Ele era um passarinho...
De cara assim...
Como qualquer outro.
Mas, tem um voo diferente
Eu o observo, de longe
Mas ele nem tchuns pra mim.

De tanto olhar.
Achei que não tinha olhado bem
Que ele não era como os outros
Voa diferente
Por que em sua patinha tem um machucada.

De lá pra cá
Toda a manhã
E peço a Deus que sua patinha cure
Mas tenho medo
Que depois de curado
Ele consiga voar direito,
E voe pra longe de mim.


VIDA INTERA


Quando ele me tocou
Era a primeira vez que sentia
Aquela sensação

Pelo meu corpo
Descarregou alta voltagem
Que marcou meu coração

Inda era muito menina
Por isso não permiti
Mas aquela sensação esquisita

De cosquinha sem risada
De gostoso sem gargalhada
E nunca mais esqueci

Enquanto ia crescendo
Muitos homens conhecendo
Nenhum me tocou igual

Cansada de tanto desengano
Meu coração foi secando
Guardei inútil órgão
No canto escuro do baú

Depois já mulher feita
Ainda por ser eleita
Por um homem que o valha

Ele veio se achegando
E assim se debruçando
No meu coração de magoado

Em noite de lua cheia
Os gato miando no telhado
Esse menino entrou pé ante pé

Pela porta da sala
Sem ser convidado e sendo
Meu coração esperando
Por aquele toque igual

Foi direto no baú
E sem vasculhar nem nada
Foi no canto exato

acariciando meu coração que não estava mais tão só


VIDA NADA


ele tinha bebido demais
era assim todos os dias
fedia a cachaça
mas eu o amava assim mesmo
eu podia concerta-lo
mas já estava cansada
mais uma vez ele passou a porta
gritando vociferando
meus filhos correram a me rodilhar
ele berrava que não dava para entender
jogou o pratos no chão
agarrou minha mão e me arrastou pelo corredor
me jogando na parede da sala
meus filhos gritavam em volta
voltei como uma leoa
mas ele era mais forte
meus meninos se agarraram a ele
“Filho da puta...vai bater na puta que o pariu”
“Pai! Pelo amor de Deus não faz isso”
Nos te amamos pai
Não faz isso!"
Era um homem muito infeliz
Foi aí que ele pegou minha filha pelos cabelo
Os gritos dela me ensurdeciam
Todos gritavam era o inferno
meu corpo doído estendido no chão
meu choro miúdo
tapa...
soco na barriga
meu corpo sendo arremessado
meu coração magoado
meus filhos
o desesperados
o choro
meu corpo doido
ele me sacudia
mais um tapa
ele sempre me deu solavancos e empurrões
Só me lembro de que o motivo era qualquer coisa
A sensação de abandono
Eu estava cansada...
Reagi furiosa...cafajeste filho da puta!....
Toda minha vida estava ali
Havia brigado com o mundo para casar com ele
Uma vida segura.
Até ele se acalmar e ir dormir na sala.


VIDA MEIA


Os menino tinha que fica
O meu menor mal sabia falar
Mais a madama disse que era sem criança
De noite ontem
Fiz angu e falei com Uoshito
Tudo que tinha que fazer com Daiane
“cuida bem de tua irmã
dá a comida dela na hora certa
não dexa ela na rua que pode ter bala perdida
aí ele morre e vai pro céu
o caminhão passa na viela e mata ela
tu não qué isso né?
atende a dona zulmira
já disse a ela que ela pode de passa o coro
liga a televisão e se distrai
fica brincando com toco de pau”
passei o dia todo pensando nos meu
dona Claudete é muito insigente
mas assim mermo
ela tem razão, criança mexe em tudo.
E os meu não são fácil não

De noite eu subia as viela.
E lá em baixo do morro.
O Quim falou na birosca
Que tinha um menino morto de bala perdida lá em cima desde cedo
Meu coração quase saiu pela boca
Subi a favela aos saltos
Falei com Deus e Nossa Senhora
Meus menino
Que tanta gente era aquela na viela
De longe vi dona zulmira desesperada
Em frente a um menino
As lágrima descia
Mas quando cheguei mais perto vi
Não era o meu
Era o da Zulmira graças a D...
Amanhã cedo eu volto pro trabalho
Tenho que entrar para fazer o angu.



O GIGANTE E A ROSA 26/09/2018

Eu nasci no tempo
Em que havia gigantes
Que andavam pela terra
E as rosas falavam.

Lembro-me bem de um deles
Destruiu algumas estradas
E quando tinha sede
Acabava com o lago da cidade

De todos os que conheci
Era o mais bonito
Cabelos encaracolados
E sorriso fácil.

Talvez não fosse bonito
Mas seu coração
Cativava a todos
com quem se relacionava

com todo o seu desajeitado
ele era o único que via as rosas
lembro que vi da varanda
quando ele ajoelho

e sentado na relva
E com suas mãos gigantescas
Acariciava a roseira
Por um momento Pensei
Ele vai estraçalhar a coitadinha!

Qual nada, conversava com ela Delicadamente
Ria as gargalhadas
E voltava a acariciar suas pétalas
Com um sorriso apaixonado

Por um descuido
Seu dedo gigante
Resvalou por um galho
E encontrou num espinho
De imediato puxou a mão
Despetalando uma rosa
Segurando o dedo e olhando a rosa
O gigante chorou

Virou de costas para a rosa
Sentado na relva
Suas lágrimas
Viraram um rio
Que regou a roseira

Depois deitou
Ao lado da roseira
E dormiu protegendo

Com a mão a roseira



Para transformar
A poesia em ciência
Vamos trabalhar
Com as evidências

Já que não posso explicar o amor
Pensei que talvez possa explicar
Pelo seu resultado
Observando o que acontece comigo

Quando vejo seus olhos,
Meu corpo e tomado por um prazer
É uma alegria tonta.

Quando ouço tua voz,
É assim como se fosse a música
Que eu mais gosto tocada pra sempre

Se eu sei que você está na no mesmo bairro,
Na mesma cidade,
No mesmo planeta que você, isso me faz rir

Só saber que algum dia vou te encontrar
Alimenta meu coração de esperança,
Mas se eu souber que vou falar contigo amanhã,
Desde hoje meu coração fica em festa,
Amanhã vou acordar no meu melhor eu.

Estranhamente fico triste
Quando de longe imagino
Que você não está bem.

Quando você briga comigo
Parece que o mundo acabou
O céu fica cinza e o sol apaga

Sinto saudade de ti ao seu lado



INIMIGO OCULTO

Caminhávamos pelo deserto
Nós e aquela maldita pipa d’água
É certo que ele era muito mais forte
Que carregaria a pipa com muito mais facilidade
Mas ele precisava estar descansado
Para enfrentar os ataques dos ladrões
Ele havia me contado o quanto eram cruéis

Quando íamos pegar frutinhas das ervas
Para ele comer ficar mais forte
Subíamos o terreno pedregoso da colina
Eu podia soltar a pipa, nem sempre eu podia
E colocar o peso da pipa no chão.
Nunca vi nenhum deles, os ladrões
Mas eles viviam e espreitar nossa caminhada
Às vezes percebia seu movimento entre as pedras
Mas ver mesmo, eu nunca vi

É certo que ele bebia muito mais água do que eu
Mas precisava
Ele nos protegia do mal
Não sei o que seria de mim sem ele.



MINHA CASA É PEQUENA
MAS MEU CORAÇÃO UM PALÁCIO

A primeira vez que visitei meu coração
Faz muitos anos... Muitas dezenas de anos
Era uma casa linda
Cheia de fru frus com dois quartos e outras coisas
Onde se acomodavam perfeitamente
Um grupo de quatro pessoas
Mas com o passar dos anos
Percebi que alguns já se acomodavam na sala
Enquanto outros esperavam na varanda
Resolvi então ampliar meu coração
E construí mais quatro suítes
Com o passar dos anos aquele pequeno coração
Virou um palacete onde aconchego
Minha família, meus amigos e meus amores


PERFIL

Ele era daquelas pessoas
que tem o poder de colorir as coisas.
Algumas pessoas quando chegam vão espalhando luz,
por que elas são assim meio.... luminosas...
Assim era ele para mim...
Lembro a primeira vez que o vi,
era somente uma foto de alguém desconhecido
tinha visto num perfil do facebook...?
Lindo!
Eu pensei... O que eu faço?
Aquele sorriso de covinha,
olhos de criança sapeca procurando em que mexer
os olhos brilhantes feito dois faróis
Me rendi
Pedi para ser amigo de uma pessoa
que eu nunca tinha visto
Muito sem graça esperei
E ele me responde que sim...
O mundo é lindo! Ele aceitou...
Legal! E agora... Agora...


OURO EM PO

Morava numa caverna aonde guardava minhas riquezas
Era lindo o meu lugar
com o rio passando na porta
D aporta da caverna precisava descer entre as pedras até o fundo
deixando o ambiente bem fresco.
Tinha uma panela velha,
alguns gravetos de madeira para o fogo
e um trapo de roupa que mais parecia pano de chão,
mas no cantinho da caverna
guardava num embrulho de papel com ouro em pó
A muitos anos guardava ele ali, era minha segurança
Com toda a dificuldade que enfrentara, e não foi pouca,
Guardava aquele ouro em pó no papel de pão
cabia na palma de minha mão.

Um dia olhei o horizonte e vi uma tempestade que se aproximava
Nunca vi algo tão violento e escuro.
Muitos raios clareavam o céus
Era um movimento... Diferente... Muito estranho
Entrei na caverna e fiquei ali quietinho
O tempo passou mas a tempestade não, a tempestade piorou muito
Raios e trovões de braços dados com uma ventania insana
Invadia a caverna,
Com medo fui ao portal de entrada
o rio se preparava para invadir a caverna violentamente
corri para salvar minhas coisas
minha panela e meu saquinho de ouro em pó
procurei um bolso mas não tinha,
estavam todos rasgados
coloquei o saquinho de ouro em pó no meio da mão
enquanto subia a água se esgueirava
procurando brechas entre as pedras
apertei meu saquinho de ouro contra o peito
Saí...
Era uma ventania que me sacudia a pele
a chuva encharcava minha alma
rápido ganhei as pedras pra subir o morro
já tinha criado muitos córregos que machucavam a terra
Na mão o papel de pão se desfazia
me dificultava subir a montanha para me salvar da torrente.
Finalmente salvo no alto da colina
Um raio rasgou o céu
E uma lufada de vento me tirou os pés do chão
Pra não me machucar, abri a mão
E o vento feroz rugia tirando de mim o saquinho
Cai na lama
Ainda vi num prevê instante o papel e um leve dourado no ar.
Chorei...

PARA MINHA IRMÃ INÊS

Não me peça pra dizer tchau agora.
Eu ainda quero sentir o gosto do cafezinho na tua cozinha,
Quero muito caminhar a teu lado nas calçadas de Realengo,
Ainda quero ouvi-la falar com gravidade sobre política
E nos orientar sobre os melhores caminhos a seguir

Agora não! Não me dê tchau.
Poderemos ainda nos encontrar na porta da igreja antes da missa
Ou fazer um lanchinho depois,
Rir das bobagens que falamos no quintal da sua casa,
Ou das conversas séria nas muitas reuniões políticas que lá participamos

Ainda é cedo, fica mais um pouco minha irmã.
Ainda tem um parque pra fazer,
Umas crianças lá na Ligth sem leite,
Tem muita escada pra subir com essa sua super bengala,
E tem eu minha irmã,
Que ainda tenho tanto a aprender contigo.

Mas eu sei minha irmã, está na hora de descansar
Deus manda chamar os bons, Ele está tendo muito trabalho lá,
Ainda mais com aquecimento global vindo ai.
A saudade será dura, mas breve, daqui a pouco a gente se encontra
E coloca em dia aquele cafezinho
vai com Deus minha linda, até logo, paz e bem.


PARA ZINDA

Olá minha irmã 
Sei que não está mais aí 
Não que não pode mais ler minhas mensagens
Mas sei também que tu vais receber minhas energias
Obrigado minha linda por tudo o que fez por mim
Pela sua amizade que estendeu a minha família
Nunca foi nada extraordinário
Sempre foi uma chácara de café e uma conversa na varanda com cachorros gatos e galinhas em volta
Mas assim foram meus filhos e meus netos na casa da Zinda.
Parece poço né mana, mas foi sempre o maior presente.
Essas pequenas coisas forjaram no coração de minha família, a importância  da amizade e do amor.
Da parentada escolhida, da importância da solidariedade. 
Sei que está bem junto de Deus e teus pais.

Te amo. Nos vemos!!! Beijos saudosos.
20/01/2023